Para receber apoio e evitar a histórica queda de braço por cargos entre partidos da base aliada depois da eleição, o prefeito de Caratinga, João Bosco Pessine (PT), inovou e loteou a administração pública antes mesmo de conhecer o resultado das urnas em 2008, registrando um “termo de compromisso em cartório” com PP, PCdoB, PR e PRTB, integrantes da coligação União Progressista. A prática é velha, mas o documento inédito, assinado por Pessine, expõe os bastidores da briga política pelo poder, que se repete em todas as instâncias. Que o diga a presidente Dilma Roussef, obrigada a suspender as nomeações em seu governo até que se arrefecesse a disputa entre os partidos aliados.
O termo de compromisso, registrado no Cartório de 1º de Ofício de Caratinga, Zona Leste de Minas, a 315 quilômetros da capital, garantiu o apoio necessário à eleição de Pessine, mas deixou os aliados a ver navios, literalmente. Das promessas, que incluíam o direito de três dos partidos de assumirem uma secretaria da prefeitura municipal, além de indicar nomes para outros 17 cargos de segundo escalão, entre eles duas vagas no Departamento Jurídico, apenas uma delas foi cumprida. E pior. Este mês, ela foi cassada. O PCdoB que assumiu a Secretaria de Defesa Social, criada apenas para acomodar a legenda, teve seu secretário, Emídio Rocha Filho, exonerado pelo prefeito, depois de vários embates técnicos.
O presidente do PCdoB de Caratinga, Sebastião Geraldo de Araújo, não mede palavras para relatar o que ele chama de ‘traição’ que sofreu do ex-aliado. Segundo ele, desde que saiu vencedor, Pessine tentou driblar o compromisso firmado com o grupo político. “Ele levou meses para definir nossa pasta e, no fim, criou pasta da Defesa Social, que tem uma diretoria de trânsito, de defesa civil e social, mas passou a interferir na atuação do secretário. Ele queria nos queimar com a população com medidas questionáveis”, denuncia Araújo. A ideia de redigir um termo de compromisso, segundo o presidente, surgiu depois que Pessine deixou de cumprir promessas feitas aos aliados durante a campanha de 2004, quando saiu derrotado das urnas.
Rainha
Engrossando o coro dos insatisfeitos, o presidente do PR da cidade, Sebastião Camilo, diz que sua agremiação chegou a ser contemplada com a Secretaria Municipal de Saúde. Entretanto, o poder de administrar a pasta foi cassado pelo prefeito, que escolheu a superintendente da saúde, Ana Elza Silva Araújo, como seu braço forte. “Nosso representante se transformou em uma rainha da Inglaterra, e a única coisa que faz é assinar papel. Ele não é ouvido”, desabafa Camilo. Ele disse que também registrou o termo de compromisso em cartório e não sabe que atitude tomar para fazer valer o que foi assumido pelo prefeito.
Com o partido ocupando as duas vagas no Departamento Jurídico da prefeitura, o presidente do PP, Isaías Machado da Silva, desconversa sobre a rasteira do aliado. Sem a secretaria oferecida a seu partido e também os cinco cargos, Silva se consola com os postos no Jurídico, que beneficiou também o vereador derrotado Sebastião Alves (PP). Silva diz não ter conhecimento do termo de compromisso, assinado pelo prefeito em junho de 2008.
O documento contém quatro cláusulas, um parágrafo único e uma observação. Rico em detalhes, ele define, nos dois primeiros itens, a distribuição dos cargos no comitê de campanha da Coligação União Progressista e também a coordenação jurídica.
Autonomia
Mas a cláusula 3, também para evitar desgastes, tem o cuidado de repartir os recursos angariados para a disputa eleitoral, estabelecendo que “todos os recursos conseguidos para a campanha sejam investidos em todos (as) e os (as) candidatos (as) a vereadores igualitariamente”. Somente na cláusula 4 é definida a distribuição dos cargos: “O candidato a prefeito João Bosco Pessine se compromete, sendo eleito é claro, uma secretaria para o PP com autonomia para indicar no mínimo cinco cargos. Uma secretaria para o PCdoB também com autonomia para indicar cinco cargos, e uma secretaria para o PR e PRTB com a mesma autonomia dos dois partidos anteriores”. E, para finalizar, o documento prevê ainda duas vagas no departamento jurídico durante o mandato.
Prefeito confirma documento com loteamento de cargos
O prefeito de Caratinga, João Bosco Pessine, por meio de nota, confirma a existência do termo de compromisso com os partidos da coligação União Progressista, negando apenas que ele tenha sido registrado em cartório. Segundo a nota, “o que existe é uma proposta de campanha na qual os quatro partidos (PP, PT, PRTB e PCdoB) propuseram o que chamaram de coordenação colegiada, limitada a sete nomes, sendo que os partidos indicaram, na carta, cinco nomes. Destes, entretanto, apenas um fez parte da coordenação de campanha”. O documento firmado com a assinatura dos aliados é definido como informal pelo prefeito.
Segundo Pessine, não houve distribuição de cargos em troca de apoio político “nem oferecimento de vantagem, mas, sim, a sugestão de nomes para compor um possível governo. Nomes estes que acabaram não sendo aproveitados, uma vez que a coligação foi ampliada, passando a contar com o apoio de 11 partidos”. Na nota, a prefeitura considera que a exoneração do secretário Emídio da pasta da Defesa social foi necessária em razão da “inoperância”, e ainda atribuiu a ele o que chama de “onda de denuncismo”.
O prefeito ressalta ainda que não existe transgressão à Lei Eleitoral no documento firmado e reduz o episódio ao que define como “uma onda de denuncismo visando tão somente desestabilizar a estrutura administrativa de um governo popular, voltado principalmente para atender os anseios das camadas mais sofridas da comunidade”.
Documento comprova negociata
O advogado Wenderson Advincula, especialista em direito eleitoral, disse que o loteamento de cargos na administração pública não trata de uma ilegalidade e não pode ser caracterizado como compra de voto. “É natural que os partidos coligados se preparem para compartilhar o poder”, afirma. Para ele, o que é questionável é a moralidade da medida, uma vez que cabe aos administradores, pelo menos em tese, escolher os ocupantes de postos-chaves por sua qualificação técnica.
O advogado Wenderson Advincula, especialista em direito eleitoral, disse que o loteamento de cargos na administração pública não trata de uma ilegalidade e não pode ser caracterizado como compra de voto. “É natural que os partidos coligados se preparem para compartilhar o poder”, afirma. Para ele, o que é questionável é a moralidade da medida, uma vez que cabe aos administradores, pelo menos em tese, escolher os ocupantes de postos-chaves por sua qualificação técnica.
Para o advogado, na verdade, o termo de compromisso firmado não tem qualquer valor jurídico, porque não há instrumentos para obrigar a sua execução. “Isso funciona como aquelas declarações em cartório de candidatos que prometem fazer a doação de seus salários. Ou ainda, como aconteceu com o José Serra, que ao assumir a administração de São Paulo registrou o compromisso de cumprir os quatro anos de mandato, mas deixou o cargo para concorrer ao governo”, relembra.
Fonte Uai/Estado de Minas
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