terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Coisas do Jornalismo: E ninguém sabe os reais motivos

Lembranças nunca são demais e, conforme Ecléia Bossi, podem reconstruir momentos ou pedaços de nossas vidas, nos fortalecendo. É assim que me sinto hoje. Relembrando, mais fortalecida, um dos piores momentos de minha vida, da vida de meu esposo e de mais de 70 amigos e seus familiares que, da noite para o dia se viram desempregados. Incompetência? Abuso de poder? Assédios? Roubo? Não, nenhuma dessas loucuras ocorreu com nenhum de nós. A loucura, para nós, estava do outro lado: na calada da noite o velho Diário da Tarde, com mais de 77 anos, deixava de existir e a notícia nos veio da forma mais triste possível.
"Fátima, onde você está?" "Na oficina. Aqui bem pertinho do jornal, o que houve?" Estava de férias e não esperava o contato por celular do amigo Elian Guimarães. "O Diário da Tarde fechou. Todos foram demitidos. Os que trabalham de manhã pararam de fazer suas matérias e estão arrumando suas gavetas. Quanto a você e eu nada disseram, mas acho que você será mandada para o Sindicato dos Jornalistas". "O Alexandre também foi demitido?", perguntei apavorada referindo-se ao meu marido, empregado do DT por mais de 40 anos e ao meu lado no volante do carro. "Todos querida. Acabaram de nos avisar friamente". "Vou para a redação Elian". "Não, não venha, você está de férias, espere", conclui, lacônico meu velho companheiro do peito. Meu marido e eu nos olhamos paralisados pela surpresa e pela covardia da notícia. No final da tarde Alexandre, como todos os 68 companheiros demitidos no mesmo dia foi à redação, pegou uns poucos pertences e voltou para casa. Nesse dia conheci o que é tirar a vida de um homem e deixá-lo vivo como para se saber até que ponto ele poderia andar até cair definitivamente. Em mais de 20 anos de convivência era a primeira noite, em dia útil, que meu marido estava em casa com as crianças e eu. Nos mais de 40 anos dentro do querido DT ele sempre trabalhou à noite, adentrando madrugadas sem nunca ter podido colocar um dos filhos na cama, contar-lhes uma história. Nunca nos falávamos entre cinco da tarde até uma ou duas da madrugada, pois meu marido estava fechando as páginas da editoria Internacional. Acostumamos-nos à sua ausência e nada me foi mais doloroso que sua presença em casa à noite. Não que não o amasse ao ponto de desejá-lo sempre ao meu lado, mas isso significava desemprego. O que se deu deste dia em diante não foi outra coisa além de tragédia. Meu marido entrou em depressão profunda e eu fiquei à espera de abraços de amigos de fora, de velhos entrevistados que acabam criando laços, de antigos companheiros em quem confiava. Mas eles não vieram. Não houve um telefonema, um único bilhete de nenhuma autoridade que nos conheciam e nos tratava com intimidade. Só os companheiros jornalistas, tão estupefatos como todos nós do DT se aproximavam. Neste caso ficam eliminados os colegas dos jornais Estado de Minas e Aqui, da Tv Alterosa, do Portal Uai e da Rádio Guarani, companheiros da mesma empresa que sequer nos olhavam, certamente temerosos de se comprometerem com uma situação que nem eles entendiam. Não os culpamos. Acostumamos a ser os primos pobres da empresa e sermos tratados com indiferença por muitos que se pensavam melhores que outros. O caminho a seguir foi o do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais onde as homologações das demissões eram processadas. Acompanhei a maioria dos casos. Mesmo de férias continuava trabalhando no Sindicato onde sou diretora pela terceira gestão, reeleita pela confiança dos companheiros. Foi triste ver o rosto de cada um deles. Alguns surpresos, outros sem ter entendido do que se tratava, outros já recolocados no mercado e a maioria completamente solitária. Hoje, dois anos depois, a realidade é outra. Quem tinha de voltar ao mercado, voltou. Os velhos companheiros, que não tiveram tempo de criar intimidade com a alta tecnologia e a alta exigência da gestão da sinergia continuam perdidos. Alguns ficaram doentes, perderam a memória e estão recostados em algum hospital distante da capital e do burburinho inesquecível da redação. Muitos morreram mesmo antes de entender porque o Diário da Tarde, que atendia a comunidades carentes, era lido e consumido por comerciantes, taxistas, donas de casa, pequenos empresários e a gente do povo foi fechado. Porque mataram um filho sadio, perguntam referindo-se a mais um órgão do grupo Estaminas de Comunicação. Outros indagam se o novo filho da empresa nasceu sadio ao ponto de sobreviver o mesmo que o irmão assassinado a sangue frio. São lembranças, apenas lembranças, mas que ainda doem, doem menos fortes. Até quando....................? Texto escrito pela jornalista e escritora Fátima de Oliveira para o blog do José Carlos Alexandre.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá Willian!
Também sou de Matipó e curso Jornalismo pela PUC Minas...

Só pra acrescentar, apesar de ter acompanhado apenas os tempos finais do Diário da Tarde, é realmente frustante a posição dos Diários Associados em, como disse a própria Fátima, "assassinar um filho sadio", que sustentava a linha editorial do Estado de Minas que atualmente se compunha pela maior parte em anúncios e ainda por cima parir um filho aleijado, o Aqui, que nem de longe representa ameaça ao seu concorrente direto, fato que retrata assim o fracasso na missão em prol da qual foi criado.
Esses acontecimentos infelizmente só empobreceram ainda mais a qualidade dos conteúdos do maior grupo de comunicação do estado, a troco de nada nem para o próprio grupo, muito menos para os leitores.